Carol Kechichian [Estée Lauder] – Como é uma carreira no varejo de luxo do Brasil?

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Sabe quando você está passeando pelo shopping e dá de cara com uma vitrine que chama a sua atenção? Aí você entra nesta loja e ela tem um perfume que é difícil de explicar, mas só tem lá?

Então, eu sempre quis saber mais sobre isso.

E em tempos que se discute tanto o papel do varejo físico graças aos avanços dos grandes marketplaces, fico ainda mais curioso.

Para nos falar sobre o tema convidei a Caroline Kechichian, arquiteta especialista no Varejo de Luxo, atualmente na The Estée Lauder Companies.

Caroline Kechichian (foto: acervo pessoal)

Caroline é graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo e pós-graduada pela Universitat Politècnica de Catalunya, em Barcelona, Espanha. Profissional com 20 anos de experiência em arquitetura e design e há 12 anos em projetos de lojas e visual merchandising no varejo de luxo do Brasil e outros países da América Latina.

Diego Godoy: Caroline, muito obrigado por topar falar para os nossos mais de 46 mil assinantes!

As marcas de luxo são conhecidas por criarem experiências únicas em cada loja ao redor do mundo. Como é o processo de trazer o “DNA” das marcas para o Brasil e, ao mesmo tempo, adaptar o design ao contexto cultural local?

Caroline Kechichian: Eu que agradeço! Trazer o “DNA” da marca para o Brasil envolve um processo de imersão no universo da marca, onde a pesquisa e a troca de informações com o time global são fundamentais. Idealmente, podemos visitar lojas em outros mercados, como Europa ou EUA, para entender como a marca se apresenta de forma global. Quando isso não é possível, trabalhamos com fotos, vídeos e amostras de materiais, além de acompanhar de perto o desenvolvimento do layout, que passa por diversas aprovações internas e de parceiros locais.

É essencial que haja um diálogo constante entre os times global e local, abrangendo áreas como comercial, marketing, vendas, operações, TI etcetera. O time global muitas vezes não conhece as nuances do mercado brasileiro, e é aí que entra a importância de compartilhar o conhecimento local.

Por exemplo, em um projeto anterior, sugerimos substituir um balcão de atendimento por uma mesa com cadeiras, alinhando-se à cultura brasileira de criar um ambiente mais acolhedor e confortável. O cliente brasileiro tem o hábito de se sentar, tomar um café ou espumante e conversar antes de realizar compras, especialmente em um investimento de alto valor.

Outro desafio que enfrentamos é o impacto dos custos de importação, que incluem taxas e impostos, além das questões logísticas de manutenção e reposição de materiais exclusivos. Todos esses aspectos devem ser cuidadosamente planejados para que a experiência da loja seja não apenas fiel à identidade global da marca, mas também relevante e adaptada ao cliente local.

Ao final, o grande objetivo é criar uma experiência única e personalizada que conecte o cliente à marca de uma maneira emocional e memorável, ao mesmo tempo que respeite as particularidades culturais e econômicas do Brasil.

DG: No varejo de luxo percebo que cada loja tem uma personalidade própria. Quais são os principais elementos de arquitetura e design que você considera fundamentais para dar essa ‘alma’ aos espaços físicos das marcas?

CK: Para dar “alma” ao espaço, acredito que o mais importante é garantir que cada elemento de arquitetura e design esteja alinhado com a identidade da marca, criando uma atmosfera que conte sua história e provoque uma experiência sensorial. Os revestimentos escolhidos têm um papel crucial, já que materiais nobres como mármore, madeiras exclusivas ou tecidos específicos são sinônimos de sofisticação e luxo, ao mesmo tempo em que criam uma sensação tátil única. A textura e o brilho de cada material podem transformar completamente a percepção do ambiente.

Loja da marca Le Labo em Quioto no Japão.

Além disso, o mobiliário especial — seja uma peça customizada ou um design exclusivo — pode se tornar um ícone dentro do espaço, refletindo a personalidade da marca e o cuidado com os detalhes. Muitas vezes, um mobiliário exclusivo pode até se tornar um ponto focal da loja, algo que os clientes reconhecem e associam diretamente à marca.

A iluminação é outro aspecto fundamental. A maneira como a luz é direcionada pode transformar a percepção do espaço e dos produtos. Em lojas de luxo, a iluminação precisa ser pensada não só para destacar os produtos, mas também para criar uma atmosfera acolhedora e imersiva. A luz quente, por exemplo, é comum para criar um ambiente mais intimista e confortável, enquanto a iluminação direcionada pode valorizar peças-chave, como acessórios ou itens exclusivos.

Outro ponto importante é a disposição do layout, que deve permitir uma circulação fluida e ao mesmo tempo sugerir uma experiência personalizada para cada cliente. A ambientação não se limita ao design físico, mas envolve também a sensação de acolhimento e a construção de uma narrativa visual.

Acho que, no fundo, o design de uma loja de luxo deve ser pensado como uma extensão da marca, criando um espaço único onde cada cliente se sinta especial e conectado com o conceito da marca. Cuidar de cada detalhe é um aprendizado contínuo, pois o que funciona em um mercado pode não ser tão eficaz em outro. Cada projeto traz novos desafios e novas formas de entender o que faz uma marca única.

DG: Você é formada em Arquitetura e Urbanismo. Como essa base acadêmica influenciou a sua visão para criar experiências de varejo de uma marca para o ambiente físico de lojas?

CK: A minha formação em Arquitetura e Urbanismo tem um papel fundamental na maneira como abordo o design de espaços de varejo. Na faculdade, aprendemos a teoria do ‘forma x função’, o zoneamento eficiente, o fluxo de pessoas e a harmonia entre os diversos elementos de um projeto. Esses conceitos básicos são cruciais para entender como otimizar o uso de um espaço e, ao mesmo tempo, criar um ambiente funcional e agradável.

Porém, a verdadeira diferença vem da prática e da experiência no campo. No varejo, a visão do cliente precisa ser sempre central. A jornada do cliente, desde o momento em que ele entra na loja até a sua saída, deve ser cuidadosamente planejada para garantir que a experiência seja não apenas agradável, mas memorável. Isso significa integrar a teoria arquitetônica com os conhecimentos práticos que adquirimos ao trabalhar diretamente com os diferentes times envolvidos — desde as áreas de vendas e marketing até operações e comercial.

Além disso, o contato direto com os clientes e a observação do comportamento deles dentro dos espaços é um aprendizado constante. Cada projeto traz novos desafios e exige uma adaptação contínua das soluções. Assim, minha formação me permite ter uma base sólida para entender as necessidades do espaço físico, enquanto a prática me ensina a ser sensível às demandas emocionais e comportamentais dos clientes, criando ambientes que realmente ressoem com a marca e com o público-alvo.

DG: No varejo de alto padrão, proporcionar uma experiência de compra memorável é essencial. Em termos de visual merchandising, quais estratégias ou detalhes você considera cruciais para encantar o cliente e reforçar a identidade da marca?

CK: No varejo de luxo, os detalhes são absolutamente essenciais para criar uma experiência de compra memorável. O visual merchandising não é apenas sobre exibir produtos, mas sobre contar histórias e transmitir a essência da marca de forma envolvente. Cada peça, cada material e cada iluminação têm que estar estrategicamente posicionados para guiar o cliente em uma jornada sensorial que reflita o conceito da marca.

Por exemplo, o posicionamento dos produtos deve ser cuidadosamente pensado: cada item precisa estar em um contexto que amplifique sua exclusividade e seu valor. As vitrines, os displays internos e até os materiais de apoio devem ser usados para reforçar a narrativa da marca, criando uma continuidade visual que seduza o cliente desde o primeiro contato até o momento da compra.

A iluminação tem um papel fundamental aqui, pois ela não só destaca o produto, mas também cria a atmosfera certa, seja de sofisticação, acolhimento ou desejo. O uso de texturas e cores também é uma estratégia importante para transmitir a personalidade da marca: materiais nobres, como couro, vidro, madeira e mármore, são escolhidos para criar sensações táteis e visuais que ressoem com os valores da marca.

Em um ambiente de alto padrão, não existe nada por acaso. Cada detalhe, desde a disposição dos produtos até o design do espaço, está pensado para envolver o cliente de maneira emocional, fazer com que ele se sinta especial e conectado com a marca. Quando todos esses elementos trabalham juntos, a experiência de compra se torna algo memorável e único, reforçando a exclusividade que o cliente espera em uma marca de luxo.

DG: Esse mercado só cresce no Brasil, então para quem deseja seguir carreira em varejo de luxo, especificamente em Visual Merchandising e Design de lojas, que conselhos você daria? Quais habilidades ou experiências considera mais relevantes nesse mercado?

CK: Para quem deseja seguir carreira em Visual Merchandising e Design de lojas no varejo de luxo, meu principal conselho é nunca parar de aprender e estar sempre atento ao ambiente ao seu redor. O mercado de luxo é dinâmico e exige profissionais que saibam se adaptar e evoluir constantemente. As habilidades técnicas podem ser adquiridas ao longo do tempo com prática e experiência, mas o que realmente diferencia um bom profissional nesse campo é a capacidade de observar e entender o comportamento do consumidor e as tendências emergentes.

Projeção de crescimento do varejo de Luxo no Brasil até 2030 (fonte: revista Mercado&Consumo)

É fundamental estar em contato com diversas áreas da empresa, como marketing, vendas, operações e até com o time global, para garantir que a visão do design de loja esteja alinhada com as estratégias e valores da marca. O trabalho não se limita a criar um ambiente bonito, mas a proporcionar uma experiência que fortaleça a identidade da marca e encante o cliente de forma imersiva.

Outro ponto importante é que, no varejo de luxo, não estamos apenas vendendo produtos — estamos vendendo experiências exclusivas e memoráveis. Isso significa que a sensibilidade para entender as necessidades emocionais do cliente, criando espaços que transmitam uma sensação de exclusividade e personalização, é uma habilidade essencial.

Por fim, além da parte técnica e da criatividade, é crucial estar antenado às tendências globais, não só em design e moda, mas também em comportamento do consumidor, novas tecnologias e como elas podem impactar a experiência de compra. O profissional de Visual Merchandising deve ser uma mistura de artista e estrategista, capaz de transformar uma visão criativa em uma experiência real e impactante para o cliente.